História




A Arte da Capoeira

Camille Adorno

NAVEGAR É PRECISO...

A expansão marítima teve como significado a escravização dos africanos. Desde meados do século XV os negros foram submetidos ao trabalho nas plantações do sul de Portugal (Algarve), nas minas da Espanha e serviços domésticos em geral na França e Inglaterra.
No decorrer do tempo e como resultado da valorização do tráfico negreiro - uma atividade comercial altamente lucrativa - as formas de exploração sobre o continente negro foram se sofisticando. Chefes de grupos tribais eram corrompidos por mercadores europeus em troca de tecidos, jóias, metais preciosos (como ouro e cobre), armas, tabaco, algodão, cachaça e mesmo búzios - considerados objetos sagrados, e até funcionando como moeda.
As incursões com o objetivo de apresar nativos foram se tornando raras, já que os sobas, chefes locais, se encarregavam da apreensão da mercadoria, inclusive organizando ataques a outras tribos. O comércio começava a ser feito harmonicamente...
Ao serem embarcados nos portos da África os negros eram batizados pelos padres encarregados de convertê-los ao cristianismo e marcados com ferro quente. A marca servia também para distinguir os batizados daqueles que ainda não haviam recebido os sacramentos... Viajando nos porões dos navios negreiros, chamados tumbeiros, amontoados como coisas, na mais completa promiscuidade, inúmeros africanos morriam em razão dos maus tratos e doenças, dos ferimentos diversos e ainda sucumbindo ante a condição desumana a que eram submetidos. A dor imensa causada pela perda da liberdade, o afastamento de tudo que lhes era caro, provocava o banzo - sentimento de revolta, dor, pesar e nostalgia. Depois, vinha a morte. Rugendas fez o registro: “Tenha-se a imagem cruel do negro em face da separação de tudo quanto lhe era caro e sejam recordados os efeitos do mais profundo abatimento ou mais terrível desespero de espírito, unido às privações do corpo e às provações da viagem. Então não se estranhará a baixa mortal de tantos, no alto-mar.” Na chegada às terras brasileiras os negros eram leiloados. E as melhores peças de imediato adquiridas por capatazes ou pelos próprios senhores, que não raro se dedicavam à escolha cuidadosa dos cativos.
A vida rural predominava com características de exploração que perduram até os dias atuais. Aliás, têm um forte sabor de atualidade as observações feitas por frei Vicente do Salvador a respeito dos hábitos extrativistas cultivados pelos colonizadores europeus: “Não só os que de lá vieram, mas também os que nasceram cá, não usam da terra como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem e a deixarem destruída.” Os africanos trabalhavam nas lavouras e tarefas domésticas nas casas dos senhores. Viviam nas senzalas, quase sempre formadas de muitas construções apertadas umas às outras. Na senzala e na casa grande, onde moravam os donos dos engenhos, o proprietário era senhor absoluto. Os negros eram submetidos aos trabalhos forçados e cabia aos feitores estabelecer a disciplina e garantir a produtividade dos escravos.
Nos séculos XVI e XVII o Rio de Janeiro, Salvador e Recife foram os mais importantes centros receptores de negros sudaneses - como os iorubás, geges, haussas e minas; de bantos - como os angolas e os cabindas; e de malês, de idioma árabe e islamizados.
Um alto preço foi pago em razão da cruel valorização mercantilista do homem negro, absurda fonte da riqueza dos que traficavam e dos que o utilizavam, como afirma Herbert Aptheker: “Em quatro séculos, do XV ao XIX, a África perdeu, entre escravizados e mortos, 65 a 75 milhões de pessoas e estas constituem uma parte selecionada da população, uma vez que ninguém, intencionalmente, escraviza os velhos, os aleijados, os doentes”.
Afonso Taunay estima que teriam entrado no Brasil, nos séculos XVI, XVII e XVIII, respectivamente 100.000, 600.000 e 1.300.000 negros escravizados. Arrancados à força da sua terra, uma vida de sacrifícios os aguardava: trabalho árduo de sol a sol nas grandes fazendas-engenhos de açúcar, por exemplo. Tão grande era o esforço que um africano sobrevivia em média de sete a dez anos. Chegar ao Brasil já era uma demonstração de incrível resistência: cerca de 40% dos negros malungos, denominação para os aprisionados e transportados, pereciam durante a viajem.
Charles Ribeyrolles discorreu longamente acerca dos trabalhos desenvolvidos pelos negros no Brasil: “Quem cavou a terra, quem abriu as galerias, desviou as correntes, lavou as areias, achou o ouro e os diamantes? Os negros. As tribos dos índios foram escorraçadas pelos colonos proprietários, de floresta em floresta ou de morro em morro. Mas quem arroteou os terrenos e cultivou o solo, ou quem semeou, plantou e colheu? Os negros. Quem aprontou os trabalhos do campo, tão rudes e penosos, em plena zona tórrida, e quem se encontrava a mourejar nas usinas, moinhos, estaleiros e estradas? Os negros.” Já foi dito que os escravos faziam de tudo. Eram as mãos e pés do senhor de engenho. As riquezas produzidas no Brasil dependiam desses trabalhadores. André João Antonil, jesuíta que analisou nossa vida econômica e social em seu Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas, escrito no início do século XVIII, noticia a necessidade da importação de trabalhadores escravizados por serem indispensáveis. Afirmou Antonil: “(...) É necessário comprar cada ano algumas peças e reparti-las pelos partidos, roças, serrarias e barcas.” As tarefas mais especializadas (de caldeireiro, carpinteiro, tacheiro e marinheiro) eram realizadas pelos negros que se adaptavam mais rapidamente à nova situação. Serviços brutais eram realizados por homens e mulheres que também pegavam na foice e na enxada, nos canaviais, nas oficinas ou na casa grande; e um número pequeno de trabalhadores livres, assalariados, desempenhando funções de vigilância ou que exigiam conhecimento técnico - como no caso do preparo do açúcar - aumentavam a enorme multidão de explorados.
Formadas de roças e pomares, as grandes fazendas alcançavam praticamente a auto-suficiência. Era comum os escravos terem um dia na semana para plantarem para si; o básico em sua alimentação era a mandioca. Havia ainda nos engenhos outros homens livres e expropriados, que não foram integrados à produção mercantil. Como trabalhavam nas roças de subsistência eram chamados roceiros. Como pagamento do seu trabalho os escravos recebiam castigos: "pau, pano e pão". E reagiam. Em troca dos tormentos, assassinavam feitores, suicidavam-se, evitavam a reprodução, eliminavam capitães-do-mato e mesmo proprietários. A resistência se manifestava nos seus cultos, onde a dominação era simbolicamente contestada. O candomblé foi - e ainda é - um ritual de liberdade, protesto, reação à crueldade e opressão do Deus dos brancos. Dançar, batucar, rezar e cantar eram modos encontrados para alívio da asfixia da escravidão. A dominação era contestada também ao nível do real - na fuga das fazendas e na formação de quilombos, aldeias de negros foragidos, onde tentavam reconstituir em matas brasileiras o modo de vida que levavam na África.
Em seu esforço para estabelecer a verdade quanto ao autêntico trabalho de construção do Brasil, informa Ribeyrolles: “Nas chácaras, nas fazendas, nas moradas urbanas, nas ruas e nas praças das grandes cidades, sobre quem recaíam os trabalhos servis e domésticos? Nas fábricas e nas oficinas, quem girava as molas, acendia os fornos, esfregava, suava, carregava e se incumbia, numa só palavra, dos mais baixos misteres? Os negros, os negros, quase unicamente os negros. O trabalho africano, em todas as coisas e todas as tarefas, foi o instrumento, a mão, a roda e a ferramenta, intervindo em tudo como agente de produção, dos transportes e das mudanças, vivendo para todos os serviços e todos os encargos.” Os castigos corporais eram uma constante. Punições inimagináveis aplicadas sem compaixão. O trabalho diário constituía jornada estafante e muitos senhores estabeleciam que os negros deviam prover o próprio sustento, através do cultivo, fora das horas de trabalho - no que seria o período de descanso - das lavouras para a subsistência. Com isto, não havia repouso suficiente para a reposição de forças. Tudo acontecia sob os olhos atentos dos prepostos dos senhores, vigilantes a qualquer sinal de rebeldia.
A grande maioria dos negros se situava entre a oposição aberta à escravidão e a submissão conformada.
Pouco a pouco, os africanos passavam a ter conhecidas as características de seu comportamento frente à escravidão. Os escravistas puderam formar conceitos quanto à natureza de cada tipo; muitos jamais aceitaram a dominação.
Quando esgotavam as possibilidades de barganhas e concessões partia-se para a ruptura ? o confronto direto.
As fugas eram rotineiras e havia aqueles que se prestavam ao papel de tentar recapturá-los, de preferência com vida, para retornarem ao cativeiro; se fosse preciso, mortos - para servirem como exemplo e desencorajar novas tentativas. O aprisionamento dos fugitivos competia aos capitães-do-mato, que contavam com auxiliares e a colaboração oficial da Justiça colonial.
O ambiente das senzalas era o que restava aos negros para tentar a preservação das suas dimensões humanas, até que surgisse a oportunidade propícia à fuga. Sob o disfarce de cantigas e danças sobreviviam suas crenças e ritos, como a mais inocente forma de diversão.
Gravuras e desenhos feitos pelos primeiros estudiosos que visitaram as terras americanas, registraram cenas da vida na sociedade colonial, onde se encontra impressa a força das manifestações da cultura africana.
Ao som dos atabaques permanecia vivo o culto aos orixás e outras danças das quais se perdeu a memória, mas de onde nasceria o jogo da Capoeira: os movimentos de corpo dos africanos - gestos ancestrais preservados em suas danças - serviram com base para a elaboração de uma luta coletiva; afinal, os meneios de corpo, o jeito solto e ágil, servem perfeitamente tanto ao fascínio da dança quanto à magia da luta.
Sabe-se que os negros eram insuperáveis na luta corpo a corpo, também numa conseqüência direta do vigor físico comprovado no estafante trabalho muscular que exigia alta carga de força. Habituados aos rigores da vida na África, as tarefas que antes se constituíam em atividade necessária na terra natal eram instituídas como trabalho forçado no Brasil. A aparente submissão era o modo dos cativos de costumes e culturas diferentes ganharem o tempo necessário para criar - ou simplesmente aproveitar - a oportunidade de fuga, dificultada pelo fato de sequer possuírem uma língua comum.
A expressão corporal nos ensina há milênios uma linguagem que permite a comunicação sem palavras, estabelecendo a fraternidade nos gestos comuns: a dança revela os sentimentos e evidencia idéias, na plástica e harmonia dos movimentos. Pois disto se serviram os negros: protestando e se insurgindo, individual ou coletivamente, expressando a linguagem do corpo na revolta, na insubordinação às regras do jogo do sistema colonial: formando quilombos, promovendo fugas, e assassinando senhores; mas sua luta passou especialmente pela afirmação de sua cultura.
As fugas dos escravos se tornaram cada vez mais organizadas. É fácil imaginar o negro desarmado, porém exímio no manejo do corpo, a desfechar o golpe certeiro, no momento oportuno - para em seguida ganhar a liberdade. Livre, o terreno de pouco mato era adequado à manutenção da liberdade, permitindo o enfrentamento dos perseguidores. A vegetação rasteira, denominada em língua tupy caá-puera iria dar nome aos guerreiros e à sua luta: Capoeira.
A Capoeira é um bom exemplo de como os negros agiam com malícia dissimulando sua verdadeira intenção ao enfrentar os senhores e seus agentes. Para disfarçá-la, a ginga ? que fazia dela ao mesmo tempo uma luta e uma dança! Cada negro recapturado trazia em si a certeza da liberdade. Tudo apenas uma questão de tentar sempre. Na próxima tentativa... E as fugas se sucediam.
Nas matas, os negros que conquistavam a liberdade formavam quilombos, onde viviam segundo regras próprias. Estas comunidades foram numerosas desde meados do século XVI, havendo-as em todas as capitanias e principalmente na região de Pernambuco e Alagoas. Aí houve uma verdadeira nação, conhecida como Palmares, que enfrentou bravamente os escravocratas.
A destruição de Palmares aconteceu depois de cerca de sessenta anos de luta, por forças comandadas pelo paulista Domingos Jorge Velho e o pernambucano Bernardo Vieira de Melo. Mas este fato não significou derrota total. Cresceu daí a consciência da própria força no povo negro e a certeza de que poderia encontrar a liberdade, nas terras para onde veio trazido como escravo.
Palmares ficou como ponto de referência de uma gente espalhada por todas as partes deste país, simbolizando uma luta secular de libertação de um povo que se identifica não somente pela pigmentação da pele, mas pela mesma herança cultural. A luta do povo de Palmares está viva como ponto de partida para chegarmos a uma sociedade livre.
Desde a época da campanha dos escravistas contra o Quilombo de Palmares ficou o registro da luta heróica em defesa da autonomia cultural.
A existência da Capoeira resulta da longa luta por reconhecimento cultural travada ao longo dos quatro séculos de cativeiro. E o termo capoeira, nome dos guerreiros das capoeiras e de sua estranha forma de luta, que tornava homens desarmados capazes de enfrentar e vencer vários adversários, corporifica ainda hoje nos jovens praticantes do século XXI. Assim é que a luta dos africanos e seus descendentes afro-brasileiros subsiste no jogo da Capoeira.
A respeito das origens remotas da Capoeira é interessante transcrever Albano de Neves e Souza, que escreveu de Luanda, Angola, a Luis da Câmara Cascudo, afirmando: “Entre os Mucope do sul de Angola, há uma dança da zebra N’Golo, que ocorre durante a Efundula, festa da puberdade das raparigas, quando essas deixam de ser muficuemas, meninas, e passam à condição de mulheres, aptas ao casamento e à procriação. O rapaz vencedor do N’Golo tem o direito de escolher esposa entre as novas iniciadas e sem pagar o dote esponsalício. O N’Golo é a Capoeira.” Em seguida, Albano de Neves e Souza passa a expor sua teoria a respeito da evolução do N’Golo no Brasil: “Os escravos das tribos do sul que foram através do entreposto de Benguela levaram a tradição de luta de pés. Com o tempo, o que era em princípio uma tradição tribal foi-se transformando numa arma de ataque e defesa que os ajudou a subsistir e a impor-se num meio hostil”. Neves de Souza acrescenta algumas informações e conclui pela origem africana da Capoeira: “Os piores bandidos de Benguela em geral são muxilengues, que na cidade usam os passos do N’Golo como arma. (...) Outra das razões que me levam a atribuir a origem da Capoeira ao N’Golo é que no Brasil é costume os malandros tocarem um instrumento aí chamado de Berimbau e que nós chamamos hungu ou m’bolumbumba, conforme os lugares, e que é tipicamente pastoril, instrumento esse que segue os povos pastoris até a Swazilândia, na costa oriental da África.” Estes relatos ilustram hipóteses quanto às origens da Capoeira. Note-se que essas danças são conhecidas no Brasil apenas através da literatura sobre o assunto. A história da Capoeira aguarda pesquisa minuciosa em terras africanas com o objetivo de constatar nessas danças os possíveis elementos formadores da Capoeira. Danças com características de luta já foram identificadas em Cuba, Martinica, na Venezuela e em outras localidades das Américas, mas discute-se se teriam origens comuns à Capoeira. Concretamente, temos a luta dos negros, elaborada a partir de gestos e movimentos próprios dos africanos, cuja fonte primária é a terra de onde vieram os guerreiros : a África. De lá veio o elemento matriz no processo que culminou no jogo da Capoeira - o negro! - e os movimentos corporais da capoeira atual são fragmentos atualizados da memória negra afro-brasileira. Recriando a cultura africana nessa terra, os negros não ficaram passivos diante de sua nova condição. Desterrados e escravizados, combateram o poder escravista com uma rica produção cultural, conquistando espaços e recriando sua autonomia e identidade étnica em solo brasileiro. E acabou brasileira esse jogo-luta, como testemunhou Charles Ribeyrolles, um francês que aproveitou o tempo vivido em nossa terra - exilado por Napoleão III - para retratar os costumes da nação que se formava: “No sábado à noite, finda a última tarefa da semana, e nos dias santificados, que trazem folga e descanso, concedem-se aos escravos uma ou duas horas para a dança. Reúnem-se no terreiro, chamam-se, agrupam-se, incitam-se e a festa principia. Aqui é a capoeira, espécie de dança pírrica, de evoluções atrevidas e combativas, ao som do tambor do congo.”




A ORIGEM DO TERMO CAPOEIRA

É de aceitação geral a hipótese do jogo de agilidade corporal ter sido o instrumento utilizado pelos escravos fugitivos na defesa contra seus perseguidores, representados pela figura do capitão-do-mato. E era no mato que se travava a luta decisiva. Pois foi desse tipo de mato - a capoeira - onde os negros buscavam refúgio e ofereciam resistência aos perseguidores, que surgiu também a polêmica que por longo tempo consumiu em debates intermináveis inúmeros intelectuais.
Uma das teorias quanto à origem da expressão capoeira estabelece a língua tupy como aquela de onde procederia a vernaculização: caá-puêra (caá = mato; puêra = que já foi) resultaria nos brasileirismos capuíra, capoêra e capoeira. Outros estudiosos afirmam que a acepção capoeira designa um tipo especial de cesto, usado no transporte de galinhas, que eram conduzidas por escravos aos mercados. A esses escravos teria se estendido o emprego da denominação primeiramente aplicada às gaiolas. Segundo os defensores dessa hipótese, enquanto aguardavam a chegada dos comerciantes, os escravos se divertiam na prática do brinquedo que também seria abrangido pelo nome capoeira. Fora da discussão da origem do termo - assunto para filólogos, como Plínio Ayrosa e Antenor Nascentes - temos concretamente o 'jogo da capoeira' com definição única e universal. Resta ainda a palavra capoeiragem, empregada para nomear a prática desse jogo e utilizada no Código Penal de 1890 pelos juristas da época, que puniam a prática do jogo, classificando-o como atividade criminosa.


ZUMBI: O MESTRE DA RESISTÊNCIA

“Zumbi, comandante-guerreiro/Ogum-iê, ferreiro mor, capitão/Da capitania da minha cabeça/Mandai alforria pro meu coração” Gilberto Gil & Walid Salomão, Zumbi, a felicidade guerreira
Na língua dos negros, 'quilombo' significava povoação, capital, união; no Brasil, teve por significado local de refúgio. Os quilombos eram divididos em aldeias de nome mocambo. Seus integrantes eram chamados quilombolas, calhambolas, mocambeiros.
Zumbi nasceu no quilombo de Palmares por volta de 1655. Décadas antes do seu nascimento este quilombo havia sido fundado por um grupo de escravos fugidos de um engenho no sul de Pernambuco. Localizado bem no alto de uma serra, onde estão hoje situadas partes dos Estados de Alagoas e Pernambuco, de lá era possível a visão privilegiada das imediações.
Herói do povo afro-brasileiro, coube a Zumbi liderar a gente do quilombo num momento decisivo da luta contra os escravistas, empenhados em sufocar a semente da liberdade que teimava por crescer no solo brasileiro.
A história daquele que seria o Zumbi começa quando um grupo de expedicionários liderados por um comandante chamado Brás da Rocha ataca Palmares, no ano de 1655, levando um recém-nascido, entre os adultos capturados. A criança foi entregue ao chefe da coluna atacante, que por sua vez resolveu fazer um presente ao padre Melo, cura de Porto Calvo. O religioso decidiu chamá-lo Francisco. O garoto aprendeu a língua latina, o português e dando mostras da inteligência.
A grande batalha do chefe guerreiro Zumbi, zelando dia e noite pela segurança do seu povo e lutando para que não fosse extinto o ideal de se formarem comunidades onde conviviam negros, índios e brancos, começou ao completar quinze anos, em 1670. Nesse ano Francisco fugiu do padre Melo e voltou para Palmares. Livre desde que nasceu, deixou para trás uma vida muito diferente daquela que iria levar.
Quando Francisco voltou a Palmares, o quilombo havia se transformado numa fortaleza. Segundo estudos recentes, dez mil pessoas, aproximadamente, viviam no local Eram negros fugidos, mulheres capturadas, além de índios e brancos que se escondiam da justiça colonial portuguesa. Plantava-se de tudo para o sustento da população quilombola: feijão, milho, mandioca, cana-de-açúcar, batata. E muitos desses artigos eram comercializados clandestinamente com as cidades vizinhas, pobres em gêneros alimentícios porque se dedicavam a uma única cultura: o plantio da cana-de-açúcar, base da economia de exportação predominante nessa época.
O quilombo de Palmares era uma pequena África onde os negros procuravam resgatar suas raízes, inclusive abandonando os nomes recebidos dos escravistas e trocando por outros de origem africana. À frente desse povoado estava Ganga Zumba e nas pequenas aldeias lideravam chefes locais.
Ao retornar a Palmares, Francisco, com seus quinze anos, passou a ser Zumbi. Vale lembrar que o Deus principal de Camarões e do Congo é chamado Nzambi; em Angola denominavam Zambi o que morreu; e no Caribe, Zumbis são mortos-vivos, criaturas que mesmo no além jamais descansam.
Em Palmares foi livremente constituída sua família - pai, irmãos, tias e tios. O principal dentre seus parentes: Ganga Zumba. Pouco depois de retornar ao quilombo, Zumbi já era chefe de um desses mocambos e defendia a região com imensa habilidade.
Palmares sofreu diversas investidas durante quase cem anos. Quando os holandeses invadiram o Brasil, por volta de 1624, esses ataques diminuíram muito: os colonos lusitanos estavam mais preocupados em defender o território das ameaças externas. Foi nessa época que o Quilombo mais se desenvolveu. Entretanto, após a expulsão holandesa em 1654, uma verdadeira campanha contra Palmares se fez surgir. Dezessete expedições organizadas por vilas próximas, bem como pelo próprio governo de Pernambuco, embrenharam-se pela mata para derrubar os palmarinos.
Em 1677, um tal Fernão Carrilho, exímio caçador de negros entrou em ação. Marchando contra Palmares com seus combatentes, Carrilho conseguiu derrubar alguns chefes de mocambos e matar vários quilombolas. Neste ataque, Ganga Zumba foi ferido, mas ainda assim conseguiu fugir. Em decorrência disso, foi levado a aceitar um tratado de paz proposto pelo governador de Pernambuco em que se prometia liberdade apenas aos nascidos no Quilombo.
Aos 23 anos, Zumbi rejeitou a paz dos escravistas, paz que garantia sua liberdade - pois nascera em Palmares. Desmoralizado por aceitar a proposta, Ganga Zumba viu-se diante de uma operação dos quilombolas organizados para depô-lo, sob a liderança de Zumbi, que nesse contexto tornou-se o líder maior do quilombo. Ganga Zumba desistiu de tudo, partiu para Cacaú, ao sul de Pernambuco, onde viria a morrer envenenado pouco tempo depois. Acredita-se que tenha sido morto por enviados de Zumbi.
Zumbi assumiu o posto de chefe maior e reorganizou toda a estrutura de Palmares. Preparou seus homens para os combates que estavam por vir. Durante esse período, o governador de Pernambuco e a própria Coroa procuraram negociar, garantindo vida ao líder e a seus familiares, caso aceitasse a rendição. Zumbi preferiu lutar a entregar seu povo: sua dignidade não tinha preço.
Os senhores de engenho não aceitavam as perdas de escravos, mercadorias muito valiosas; o governo colonial não suportava mais tanta derrota. Foi quando surgiu a idéia de contratar os bandeirantes paulistas, conhecidos por serem grandes desbravadores e verdadeiros assassinos.
Na guerra contra Zumbi e o povo de Palmares o sistema escravista pretendia varrer da memória coletiva até a lembrança da existência de possibilidades reais das populações oprimidas construírem uma alternativa à estrutura social baseada na exploração do trabalho forçado. O combatente que representava os civilizados escravagistas: Domingos Jorge Velho.
Sobre este paulista, encarregado de destruir Palmares, escreveu em 1697 um seu contemporâneo, o Bispo de Pernambuco: “Este homem é um dos maiores selvagens com que tenho topado... tendo sido sua vida, desde que teve razão - se é que teve, de sorte a perdeu tanto que entendo não a achará com facilidade - até o presente, andar pelos matos à caça dos índios, e de índias, estas para o exercício das suas torpezas e aqueles para o granjeio de seus interesses.” Após uma primeira derrota, Domingos Jorge Velho iria travar a batalha definitiva no ano de 1694. Antes de completar 25 anos de vida, Zumbi se recusou a desistir de lutar pela liberdade sem adjetivos, concessões ou condições: combateria até o fim.
Apesar de toda a violência e da selvageria dos prepostos do sistema colonial, não foi possível derrotar o símbolo do heroísmo do povo brasileiro. Após muitos anos de luta os escravistas não conseguiram submeter a alma dos resistentes. Cada guerreiro morto em defesa do direito à liberdade é um exemplo de que só existimos na plenitude quando somos livres. E morrer nessa luta significa dar a vida pela própria vida.
Símbolo da resistência à dominação, Zumbi dos Palmares é referência legada tanto às gerações africanas trazidas ao Brasil quanto aos seus descendentes afro-brasileiros. Mestre na luta pela liberdade, seu vulto se confunde com o caminho para a consciência do povo brasileiro.
“Minha espada espalha o sol da guerra Rompe mato, varre céus e terra a felicidade do negro é uma felicidade guerreira Do maracatu, do maculelê e do moleque bamba Minha espada espalha o sol da guerra Meu quilombo incandescendo a serra Taliqual o leque, o sapateado do mestre-escola de samba Tombo da ladeira, rabo de arraia, fogo de liamba...” Acompanhado de um grupo considerável de combatentes fortemente armados, Domingos Jorge Velho se lançou em direção à Cerca Real do Macaco, onde se encontravam Zumbi e todo o seu exército. Grande foi sua surpresa ao encontrar o esquema de defesa montado pelos quilombolas. Muros gigantescos de pedra e madeira formavam três fileiras, seguidas logo após por buracos camuflados com estacas pontiagudas em seu interior. Em seguida, uma outra muralha mais comprida, contava com guaritas que abrigavam atiradores.
Amedrontado, Jorge Velho mandou buscar canhões de Recife e construiu, paralelamente à muralha de Zumbi, uma outra muralha. O ataque foi fatal. O grande chefe dos quilombolas foi apanhado de surpresa pelo descuido de um sentinela. Muitos morreram combatendo ou se suicidaram; outros tentaram fugir pelo lado esquerdo da Cerca Real, onde havia enorme precipício. Zumbi foi um dos que conseguiu sobreviver à matança, mas Palmares foi inteiramente destruída.
Zumbi comandou seus guerreiros e venceu inúmeras batalhas empregando com talento as técnicas da guerra de guerrilhas. No combate em posição fixa encontrou o fracasso. Perdeu o domínio da Serra da Barriga, onde se estabeleceram - entre disputas e conflitos pessoais - os vencedores: bandeirantes, militares e "homens de bem" de Pernambuco e Alagoas. Só restava uma alternativa: retornar à estratégia da guerra do mato. Eram cerca de mil homens. Os guerreiros foram divididos em dois bandos e foi confiada a chefia de um dos grupos a um companheiro chamado Antônio Soares, que sofreu uma emboscada. Soares foi preso e enviado sob forte escolta para Recife.
Nesse trajeto a escolta se encontrou com uma bandeira, chefiada por André Furtado. Soares foi seqüestrado e por longo tempo sofreu violentas torturas aplicadas por seus captores: queriam que revelasse onde era o esconderijo de Zumbi. Como não obtinha êxito, Furtado mudou de tática: garantia sua vida e liberdade se cooperasse. Deu certo. Soares era da confiança de Zumbi. Foram em sua procura, e quando Zumbi se preparava para abraçar o companheiro, foi surpreendido: Soares cravou-lhe uma faca na barriga.
Nos olhos de Zumbi deve ter surgido então um outro brilho: de tristeza e desencanto. Dos seis guerreiros que o acompanhavam, a fuzilaria que saía do mato ao redor derrubou cinco, de imediato. Ferido e sozinho, lutou até o último momento: matou um dos atacantes e feriu outros. Amanhecia o dia 20 de novembro de 1695.
Zumbi foi esfaqueado, baleado e mutilado, tendo seu pênis decepado e enfiado em sua boca. Era um homem magro, pequeno e coxo; muito diferente da imagem construída a seu respeito. Seu corpo foi reconhecido pelo padre Antônio Melo, o mesmo que batizara o pequenino Francisco. Segundo o padre, algumas vezes Zumbi desceu a Porto Calvo para visitar seu antigo tutor e numa dessas visitas o guerreiro já estava com a perna afetada por um ferimento sofrido em combate.
A violência contra Zumbi não parou aí: sua cabeça foi cortada, mergulhada em sal e mandada para Recife, com a finalidade de ser vista pelo povo que o considerava imortal. Mas isso de nada disso foi suficiente para impedir que renascesse num mito: sua coragem, sua força se tornaram eternas para os que continuaram resistindo contra a escravidão. Assim é que nos muitos quilombos que se formaram pelo Brasil nos séculos seguintes e para os que hoje relembram a sua história de luta, Zumbi permanece vivo na lição de resistência.
De forma exemplar, Zumbi encarna os horrores do escravismo. Zumbi permanece vivo na lição de resistência e é - para sempre! - um cadáver insepulto, um morto vivo. Sua lembrança sobreviverá aos tempos que nos obrigam a sonhar, à historiografia oficial que insiste em ignorar sua real importância. Permanecerá como símbolo das atrocidades infindáveis do poder ilimitado, arbitrário, prepotente. Ficará, acima de tudo, como exemplo a todos que resistem à opressão e lutam por liberdade e justiça.
“Em cada estalo, em todo estopim, no pó do motim Em cada intervalo de guerra sem fim Eu canto, eu canto, eu canto assim A felicidade do negro é uma felicidade guerreira...
II
CAPOEIRA & CAPOEIRAS “Meu chapéu de lado/tamanco arrastando lenço no pescoço/ navalha no bolso, eu passo gingando/ provoco desafio, eu tenho orgulho de ser vadio.
Sei que eles falam desse meu proceder, eu vejo quem trabalha andar no miserê.
Eu sou vadio porque tive inclinação.
Quando era criança, tirava samba-canção.” Wilson Batista, Lenço no Pescoço

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História de Juca Reis

Partiu hontem para Fernando de Noronha, a bordo do paquete Arlindo, da empresa Norte-Sul, José Elysio dos Reis, que se achava preso por ordem do dr. Sampaio Ferraz, chefe de polícia da Capital Federal.
Às duas horas da madrugada de hontem, compareceu na casa de detenção o sr. Tenente Pereira e Souza, do corpo militar de polícia, ajudante de ordens do sr. Dr. Sampaio Ferraz, e declarou que estava encarregado de acompanhar o preso durante a viagem.
A ordem para embarcar não foi uma surpresa para Juca Reis, que estava preparado pra a viagem. Achava-se muito abatido; emagreceu bastante nestes últimos dias; tinha a barba e o cabelo crescidos, e uma pallidez marmórea. Trajava um terno de casemira escura e chapéo preto. Um bello typo romântico, que parecia evadido de uma página sombria de Montepin.
Exhibido o competente documento oficial, Juca Reis foi entregue ao sr. Tenente Pereira e Souza, que lhe ofereceu logar n`uma carruagem da Companhia Fluminense, parada à porta da Detenção. A carruagem seguiu immediatamente para o caes Pharoux.
Juca Reis e o sr. Tenente Pereira e Souza embarcaram numa lancha especial, que os conduziu a bordo do Arlindo, onde chegaram às 4 horas da manha.
Noutra lancha embarcou o sr. Dr. Agostinho Vidal, 4º delegado de polícia, acompanhado de uma força de 16 praças do regimento policial, e essa segunda lancha acompanhou o vapor até fora da barra. Chegando ao paquete, Juca Reis subiu immeditamente para o tombadilho, e ahi se conservou, num passeio agitado, até 7 horas da manhã. A essa hora atracava ao Arlindo uma lancha a vapor, na qual ia o sr. Conde de S.Salvador de Mattosinhos, irmão de José Elysio dos Reis.
Este, ao avistar seu irmão mais velho, desceu do tombadilho. O Encontro foi commovente, como bem hão de imaginar os nossos leitores. Os dois irmãos dirigiram-se para a sala de jantar do paquete, e ahi conversaram intimamente até a hora de levantar ferros.
O sr. Sampaio Ferraz mandou dar a Juca Reis um beliche de primeira classe. O mesmo camarote é occupado pelo sr. Tenente Pereira e Souza. Vão também a bordo os agentes Jacob e Ricardo, e quatro praças do regimento especial.
Um dos repórteres, engenhosamente disfarçado, assistiu a tudo quanto ahi fica narrado, desde a intimação dada ao preso da madrugada até o momento em que os dois irmãos, soluçando, se despediram.
O nosso repórter tentou por diversas vezes conversar com Juca Reuis, para trazer-nos um interessante interview, mas não foi possível arrancar-lhe uma palavra. O preso estava inteiramente succumbido.
Juca Reis nunca se photographou. Debalde procuramos o seu retrato: não houve meio de obtel-o O que hoje offerecemos aos nossos leitores foi feito de memória por um talentoso desenhista amador, e dá apenas uma idéia muito aproximada do preso.
O Jornal XXXX é um jornal popular, como o seu título indica, e procura por todos os meios popularizar-e ainda mais. Ora, a prisão de Juca Reis agitou a opinião pública; por pouco esse incidente não se transformou num acontecimento político. É natural que procurassemos dar o retrato do causador de tanto barulho.
A agitação do público explica-se em duas palavras: Juca Reis é filho de um conde e irmão de outro conde, e a ambos esses fidalgos deve o nosso paiz inapreciáveis serviços. Para Fernando de Noronha tem sido mandados os filhos do povo: era preciso, era urgente que o filho do fidalgo também o fosse. No nosso paiz já não há privilégios hierarchicos.

Ninguém mais do que nós lamenta o que se passou, e o fazemos por respeito que nos merece a honra memória de João José dos Reis, e pela sympathia que votamos ao ex-proprietários do Paiz, que nesta emergência deu provas de louvável amor fraterno; mas Sampaio Ferraz cumpriu o seu dever. O rigor da polícia, n`uma república moralizada deve ser igual para todos. Honra a Sampaio Ferraz!"

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"A victoria do jogo brasileiro: capoeira versus jiu-jitsu" - Parte Final

Edição 75 - de 27/Maio 13 de Junho de 2006

André Luiz Lacé Lopes
Forum Virtual - Abril/2006
& Jornal do Capoeira - Maio/2006

Gerou grande e saudável discussão a primeira parte desse artigo, fruto de mais uma viagem à cidade de Aracaju, Sergipe. Como segunda e parte final tínhamos escrito novo texto e reproduzido, em destaque, mais algumas fotos da famosa composição da Revista da Semana (1909). Resolvemos, pois, repetir o texto básico, apenas substituindo algumas fotos. Satisfazemos, assim, alguns leitores mais interessados pelo assunto e, ao mesmo tempo, lucramos algum espaço para divulgar o I Intercâmbio de Capoeiragem Itália & Brasil, que estará sendo realizado no Rio de Janeiro, nesse mês de abril. A Marinha de Guerra do Brasil tinha acabado de contratar, diretamente do Japão, um grande campeão e professor de jiu-jitsu, o Senhor Sada Miako. Foi o que bastou para despertar, em atuante grupo de acadêmicos de medicina, a idéia de um tira-teima com a capoeiragem brasileira. Apresentaram, como oponente ao japonês, o campista (município de Campos dos Goytacazes, no Rio), o Senhor Francisco da Silva Cyríaco, mais conhecido como Cyríaco Macaco Velho. Francisco da Silva, mestre de vários desses universitários, era considerado um dos maiores, senão o maior capoeira brasileiro da época. Depois de natural relutância, autoridades (inclusive autoridades militares) e o Sr. Pachoal Segreto, proprietário-administrador do Pavilhão Internacional, resolveram aceitar o desafio.Em muito pouco tempo, Brasil e Japão tomaram conhecimento da luta. Cyriaco, com surpreendente rabo-de-arraia, venceu o campeão que, perplexo, não aceitou a revanche que, ainda no tablado, lhe foi oferecida pelo capoeira.
Dentre as diversas reflexões que o episódio e os registros fotográficos sugerem, neste momento, destaco quatro:
Se houve luta pública de capoeira, aprovada e presenciada por autoridades civis e militares, como continuar afirmando que a Capoeira só foi liberada (?) pelo presidente Getúlio Vargas décadas mais tarde, através de decreto específico (e fantasma), logo após o presidente assistir roda exemplar?

A adoção de um grande capoeirista por grupo de acadêmicos de medicina, coincidência ou não, voltou a acorrer algumas décadas mais tarde, em Salvador. Talvez um grupo menor de acadêmicos, mas extremamente dedicado e competente, sendo impossível e injusto não destacar a importância de dois deles: o cearense José Cisnando Lima, estudioso também de outras lutas e conhecedor, como Bimba, do precioso livro de Annibal ZUMA Burlamaqui); e Ângelo Decânio Filho, também praticante de judô, que hoje em dia, forte e atuante, no alto de seus 83 anos, é considerado a mais importante fonte de informação e intérprete da chamada Luta Regional Baiana.
Pelo tipo de ginga e pela distinção dos trajes de Cyriaco, realmente faz sentido considerar, como fez o Jornal do Capoeira (com muito humor), se esta não seria a linhagem do sempre elegante Mestre Leopoldina. A deplorável insensibilidade crônica da grande maioria dos mestres, contramestres e pesquisadores do Rio de Janeiro para a importância da Capoeira do Rio Antigo em geral, e da capoeira de Cyriaco em particular. Pena que tenha faltado um Decânio no grupo de alunos de Cyriaco, pois, neste caso, ele não estaria tão esquecido pelos cariocas, fluminenses e brasileiros em geral (com as raras e honrosas exceções de sempre). Em que pese, é claro, o histórico movimento que fizeram os alunos de Cyriaco que culminou no confronto em tela.
Ironicamente, ouço falar mais deste passado heróico do Rio de Janeiro quando viajo. Foi o que aconteceu em visita recente a Aracaju, Sergipe (para detalhes recomendo navegada no Jornal do Capoeira, editado pelo Miltinho Astronauta), onde fui agraciado com valioso presente: um pacote de revistas antigas, publicadas no Rio, então capital federal e distribuídas por todo Brasil. Por elas, entre outras preciosidades, verifico que o famoso conjunto de fotos publicado na Revista Careta (sobre Cyriaco), foi também publicado em várias outras. Com mais ou menos fotos. Como está havendo crescente interesse para esta parte ainda encoberta da História da Capoeira, aproveito essa crônica para publicar uma variante do famoso conjunto de fotos feito por ocasião da histórica vitória do Capoeira sobre o Campeão de Jiu-Jitsu:



Manchete Final da Ilustração:

"Cyriaco, como todos sabem, venceu em poucos minutos, no tablado do Concerto Avenida, o até então invencível Miaco, professor japonez da luta jiu-jitsu. Cyriaco, natural de bom gênio, mas destro e conhecedor de capoeiragem como poucos quis repetir a dose, no que não consentiu o japonez vencido. Isto vem provar mais uma vez as vantagens da capoeiragem como exercício, que há longo tempo preconizamos pelas columnas do Jornal do Brasil, vantagens que subiriam mais se fosse methodizado o exercício, expurgados os golpes misteriosos e mortaes". (Revista da Semana, 30 de maio de 1909 - Domingo - Anno IX - 472)

Jornal do Capoeira - www.capoeira.jex.com.br


Benguela (capoeira)

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Banguela ou benguela é o toque mais lento da capoeira regional.
Este toque pode ser usado no início de uma roda de capoeira regional, ou durante o jogo para acalmar os ânimos dos jogadores quando o jogo esquenta. O toque comanda um jogo cadenciado, onde os movimentos são quebrados e fluidamente transformados em outros. O jogo é conduzido mais no chão do que gingando e exige do capoeirista mais inteligência e malícia do que o jogo tradicional.
O toque de benguela foi criado por Mestre Bimba, era muito utilizado no jogo de principiantes para incentivá-los a soltar o corpo e incorporar a malícia da capoeira. Era utilizado também em treinamento com faca. Era um jogo sem canto e fortemente cadenciado ao comando do berimbau.
Existe uma divergência em relação ao nome do toque. Muitos capoeiristas chamam o toque de benguela, em uma alusão à cidade angolana Benguela, mas segundo alunos de Mestre Bimba e outras pessoas que com ele conviveram diretamente, o mestre chamava o toque de banguela.
Obtida de "http://pt.wikipedia.org/wiki/Benguela_(capoeira)"



Fundamentos da Capoeira



Fundamentos da Capoeira
A Capoeira é considerada como uma prática cultural que se organiza em forma de sistema, constituindo-se pelos seguintes elementos: a roda, os toques musicais de berimbau, as músicas, a ginga e os movimentos corporais das dois estilos (Capoeira Regional e Angola). Há, portanto, uma interdependência, em que os participantes da roda deverão se revesar nestas diferentes funções no decorrer do jogo, ou seja: o capoeirista deverá saber desempenhar todas as formas necessárias para ocorrer o evento: tocará tanto o berimbau quanto o atabaque, o pandeiro, o agogô e o caxixi e ainda revezará com outros participantes jogando e também cantando.
O jogo de capoeira acontece no interior de um círculo de 2,5 metros de raio, circundado por outro. Esses dois círculos concêntricos são reconhecidos pelos capoeiristas como roda. Dentro do círculo menor, irão “jogar” dois participantes, enquanto que em torno do círculo maior, ou seja, distante 1,0m do menor, sentados, ficam os demais capoeiristas.
O mestre de capoeira responsável pelo espaço onde se realiza a roda é a autoridade máxima do recinto, e inicialmente entram na roda apenas eles e os formados. O ritual da roda consiste no conjunto das regras que ordenam o comportamento dos jogadores dentro da roda e regem a disputa em si. Dois capoeiristas a cocoram-se à frente da orquestra musical. Um deles “puxa” então uma ladainha, cuja letra, geralmente, contém um desafio ao seu parceiro de jogo. Este então, responderá à provocação entoando outra ladainha, ao final se preparam para o combate: benzem-se levando a mão ao chão (e ás vezes tocando também o berimbau) e completam com um sinal da cruz ou (o que é mais raro) levam a mão rapidamente á testa e á nuca, como é usual do candomblé. Em seguida, dão-se as mãos e fitam-se mutuamente, aguardando que o tocador do berimbau-berra-boi (em geral a pessoa de maior graduação ali presente) o incline, ligeiramente, sobre suas cabeças. O berimbau além de ser o principal instrumento da orquestra musical da capoeira atual, é representado também como a maior autoridade da roda de capoeira, uma vez que a ordem para a entrada na mesma (e muitas vezes, para a saída) é por ele emitida. Esse gesto de inclinação do berimbau é visto como uma “autorização” ou uma “bênção” para seu ingresso na roda.
Os capoeiristas entram na roda através de uma região conhecida como boca-da-roda (delimitada por duas linhas paralelas estreitas pintadas à frente do conjunto musical) e iniciam então uma ou duas tensas voltas, andando em torno do círculo externo em sentido anti-horário. em seguida detém-se na boca-da-roda e executam, um de frente para o outro e simultaneamente, um aú (movimento corporal de inversão onde os dois braços abertos, quando em contato com o chão, tomam forma da letra A e as duas pernas, abertas e suspensas no ar, a letra U) em direção ao centro.
Inicia-se então o jogo, que deve restringir-se ao espaço da roda. Se forem dois mestres de capoeira, ninguém a não ser outro mestre poderá interrompê-los. Quando um dos capoeiristas deseja finalizar o jogo, estende a mão a seu adversário (o qual deve manter-se atento pois esse gesto pode ser uma cilada para a aplicação de algum ataque surpresa) e, juntos, benzem-se na boca-da-roda, saindo pelo mesmo lugar em que entraram.
Para entrar na roda deve-se "comprar" o jogo. Um capoeirista acocora-se na boca-da-roda e, quando julga oportuno, interrompe a disputa que está em curso, colocando-se à frente daquele com quem deseja jogar. Os dois vão rapidamente ao pé do berimbau, dão-se as mãos, fazem o aú e iniciam um novo jogo.
Geralmente o ritual da roda encerra-se com cantigas de despedida.
Há, portanto, uma interessante analogia que os capoeiristas estabelecem entre a roda de capoeira e o mundo, pois, como percebemos facilmente nos versos das “ladainhas”, entrar na roda é “dar a volta ao mundo” ou “ir pelo mundo afora”. Mas o mundo da capoeira é um mundo diferente, particular e sagrado, (remete muitas vezes aos rituais do candomblé, como por exemplo a freqüência das mãos no chão, da inversão; o que, na cultura africana, é um gesto sagrado, já que o solo para eles é como o céu para a cultura ocidental), ninguém entra ou tampouco sai sem antes e benzer.
Na verdade, há uma ambigüidade profano-sagrada que contamina todos os elementos do sistema cultural da capoeira, e podemos perceber isso por exemplo no berimbau, um instrumento musical e ao mesmo tempo uma autoridade espiritual. Assim como na nomenclatura dos movimentos corporais, que mesclam nomes sagrados e profanos (bênção, cruz, vingativa, desprezo, etc.)
Há uma importante significação nessa analogia entre a roda de capoeira e o mundo pelo fato de estes movimentos, gestos, músicas e todo o sistema, poderem ser tidos como testemunhos históricos, pois na capoeira temos como antecedentes históricos o escravismo, e essa resistência sócio-cultural no Brasil se deu de uma forma não-verbal. Assim, o principal suporte de memória dessa cultura está em um “saber corporal”, ou seja, pode ser interpretado através dos movimentos e rituais da roda de capoeira.
Os capoeiristas conhecem dois estilos de jogo: Regional que é pelo alto e Angola pelo chão. Há, portanto, oposição entre os mesmos.
O baixo material e corporal é produtivo e assegura a continuidade da história, e, portanto, da cultura. Nele predominam os quadris e os pés, de onde se faz notar através da movimentação corporal a ginga. Esta, é responsável pela codificação do corpo do capoeirista, conferindo uma especifidade ao seu modo de andar. Ritmada pelo som o berimbau, através da ginga o corpo dos capoeiristas descreve círculos no espaço circular da roda, seu corpo dança, aproximando a capoeira do lúdico, que representa sobretudo uma estratégia política para dissimular o aspecto combativo, proeminente na capoeira da sociedade escravista.
Através da oposição ataque/esquiva, nasce a dialética dos movimentos corporais da capoeira que reside a mandinga, em que uma esquiva pode conter um ataque, enquanto que um ataque pode rapidamente transformar-se em esquiva. É nessa mandinga, ou “malícia” que está o segredo do capoeirista, pois é através dela que o jogador irá interpretar as intenções do outro e adiantar-se, colocando o adversário em desvantagem.
Ainda hoje, no jogo de capoeira, o que importa é saber conservar-se em equilíbrio, não perder o apoio e, se acaso acontecer de cair, “cair bem”, isto é, pronto para se levantar o mais rápido possível.
Para o capoeirista, ter malícia significa ser flexível e oportunista, onde vê-se o jogo de capoeira como um ritual de busca de poder, impregnado da memória da escravidão.
A roda de capoeira constitui-se, portanto, no agrupamento de todas as características que formam o ritual da capoeira, e é através dela que irá transparecer aos observadores a sua peculiaridade e riqueza cultural e social.
Durante o tempo que o aluno convive com o mestre que ele entra em contato com o infinito mundo da capoeira. Por isso, não existe capoeira sem mestre. Cada mestre tem seu jeito particular de ensinar, de passar para o seu aluno tudo o que ele achar que o aluno deve aprender para ser um bom capoeirista. Na maioria das vezes, fundamento quer dizer conselhos de mestre e estes conselhos ajudam aos "menos avisados" a evitarem os vacilos na roda ou durante o jogo. Alguns destes conselhos vêm em forma de dicas para o aluno e são fundamentais para o "bom comportamento" na roda, pois muitos mestres antigos exigem o respeito às tradições e, como não encontram, deixam de jogar e assim deixam de ensinar muita coisa boa para os mais novos. Na Capoeira Angola, por exemplo, vemos que para assumir como angoleiro não se pode jogar sem sapato nem sem camisa. Na roda de capoeira, se você quer ser bem recebido, você tem que em primeiro lugar se apresentar ao mestre dono da roda, depois observar o jogo, tocar um instrumento e só então pedir licença e sair para o jogo. A roda começa e termina ao pé do berimbau, não ficar disperso na roda é o motivo principal pelo qual ela é formada, a roda é o símbolo da concentração. Não "acumular" nem fazer confusão ao pé do berimbau, só abaixar para a saída pro jogo depois que os dois adversários saírem da roda. Não bater palmas e nem jogar durante a ladainha, pois ela pode ser um desafio e todos os jogadores têm de estar atentos. Um mestre diz que não se bate palmas no jogo de Angola. Outro diz que sim, que as palmas em duas batidas ritmadas e bem compassadas fazem parte do jogo de Angola. De qualquer forma, considere as duas hipóteses corretas. Não se deve tampar a frente dos tocadores de berimbau, pois é o berimbau que coordena o jogo, pede para parar ou começar ou ainda para mudar a cadência do jogo. Não pode haver troca de instrumento entre os jogadores e tocadores durante o jogo, para que o tocador também possa jogar, ele tem de esperar uma "folga" no jogo para poder passar o instrumento para outro tocador. É obrigatório a um bom capoeirista saber tocar todos os instrumentos e cantar pelo menos dez músicas diferentes. Quando dois mestres estão jogando não se compra o jogo deles. Eles decidem quando querem passar o jogo para outro mestre. Para a saída do jogo de Angola, é obrigatório fazer o Cumprimento do Mestre ou Queda de Rim. Cada um é cada um, ninguém luta com o jeito do outro, mas na luta de cada um há toda a sabedoria que aprendeu. No jogo da capoeira, o principal movimento é a ginga, da qual partem todos os outros movimentos. Ainda existe uma infinidade de pontos fundamentais a ser dita, mas está em aberto, pois nunca chegaria a um final sendo que existem muitos, inúmeros mestres no Brasil inteiro e dizer os fundamentos que cada um deles segue, seria impossível. Destaco abaixo alguns "Mandamentos da Capoeira" e os "Pontos Essenciais do Aprendizado", muito usados por Mestre Bimba e por todos os que seguem seu estilo de ensino.
MESTRE NORONHA

Muito sobre as memórias dos tempos dos valentões e dos grandes capoeiristas do início do século XX, chegou até nós graças a um costume que o mestre Noronha (Daniel Coutinho por batismo) tinha, de anotar nomes, datas, locais e “causos” envolvendo os personagens envolvidos com a capoeiragem da Bahia. O “A.B.C. da capoeira Angola” foi um livro organizado pelo nosso grande pesquisador da capoeira – Frede Abreu, a partir dos manuscritos deixados por Noronha, e se tornou um grande legado para todos aqueles que pretendem saber mais sobre esta arte-luta, e de tudo aquilo que estava ao seu entorno. capoeira e seus personagens, a política e seus políticos, festas populares, economia, repressão policial, história do Brasil, são alguns assuntos abordados por este grande mestre da capoeira em seus manuscritos, que posteriormente à sua morte, Frede Abreu transformou em livro, como forma de perpetuar essa memória.
Noronha teve o privilegio de vivenciar os momentos áureos da capoeira baiana do início do século XX. E nos deixou relatos belíssimos desses tempos. Desde a perseguição dos capoeiras, devido à política vigente na época, até a sua visão de decadência dessa arte, norteada pela imagem das academias formadoras de capoeiras.
As elites queriam transformar a cidade de Salvador, em uma cidade de características européias. Em outras palavras, limpar ou erradicar, se necessário, das ruas, as tradições de origem negra, favorecendo a manutenção da ordem pública. visando atender as exigências da classe mais abastada. Nesse contexto social, de conflitos e de discriminação em relação às manifestações afro-brasileiras, é que vai se formando o menino Daniel Coutinho, no local que fazia parte do mapa central da criminalidade, da vadiação, da desordem e também do trabalho em Salvador.
Noronha sempre defendia que a “…capoeira viera da África, trazida pelos africanos, porém não era educada…”, tendo adquirido esta característica aqui no Brasil. Vivenciou ainda menino, por volta dos 8 anos de idade, a difícil arte da capoeira com um negro descendente de Angola, o velho Candido Pequeno. Tinha uma imensa admiração por este capoeira.
Em seus manuscritos, narra diversos casos envolvendo enfrentamentos com a polícia e com outros valentões, citando locais e nomes dos mais famosos capoeiras da época, envolvidos nesses conflitos, assim como ele próprio, respeitado e temido no universo dos “desordeiros”.
Noronha observava que antes de freqüentar qualquer roda, era preciso ter a consciência de que “…não era coisa de brincadeira, havia muita mardade neste meio…”. Não dispensava patuás, que servia para evitar os maus espíritos. Amuletos eram fundamentais. Sempre tinha uma oração, pedia graças ao divino Espírito Santo e aos Orixás. Sempre e sempre com o corpo fechado, não admitia chegar em roda despreparado. Falava sempre: “…a defesa para a nafé (navalha) a pessoa traz consigo mesmo. Sem ter arma, o capoeira tem sua defesa particular que admira o público…”.
Dizia que um bom aprendiz de capoeira angola, tem que obedecer às palavras do mestre, tem que aprender o jogo de dentro e o jogo pessoal para a sua defesa, sempre dando ênfase a tudo aquilo que “…desse vantagem para escapulir da polícia, pois ela não gostava do capoeira…”. Para ser mestre, dizia Noronha, “…tem que aprender toda a malícia que existe nesta malandragem…”.
Em seus manuscritos, Noronha descreve as famosas “festas de largo” de Salvador e a participação dos capoeiras nesses eventos. É justamente nesse contexto descrito por Noronha que surge e vai se estruturando o modelo de “roda de capoeira” tal qual conhecemos hoje, enquanto um ritual definido pela presença de instrumentos musicais e de certas “regras” que vão se transformando ao longo dos tempos. Antes disso a capoeira se expressava de outras maneiras, como as “maltas” no Rio de Janeiro. Mas o modelo de organização em forma de “roda de capoeira” que permanece até os dias de hoje e se espalhou pelo mundo todo, foi sendo estruturado nesses espaços e nesse período histórico, o qual Noronha nos relata com tanta riqueza de detalhes em seus manuscritos.
Noronha teve participação também no surgimento do primeiro Centro Esportivo de capoeira angola, na Ladeira da Pedra, no bairro da Liberdade, sendo Amorzinho, o próprio Daniel Coutinho, Totonho de Maré e Livino, entre outros, seus “…donos e proprietários…”. Porém, Noronha sempre registrou o grande esforço feito por mestre Pastinha em manter e elevar o nome do centro, a partir de quando assume a direção do mesmo.
O mestre Noronha era um severo crítico dos capoeiras que não se dedicavam a conhecer melhor sua arte, que se diziam “grandes mestres” de capoeira e donos de academia. Dizia: “...eu mestre Noronha tenho todo o fundamento comigo porque me dediquei e aprendi toda a malandragem…”





Biografia do Dr.Ms João Pequeno de Pastinha

JOÃO PEQUENO DE PASTÏNHA.

Nasceu com o nome de João Pereira dos Santos no interior da Bahia, em Araci, em 27 de dezembro de 1917.
Filho de Dona Maria Clemência de Jesus e de don Maximiniano Pereira dos Santos.

A INFANCIA NO INTERIOR, E A VIDA NA CAPITAL

De Araci a família mudou-se para Serrinha que parecia ter mais oportunidades para a família.
Em 1933, acompanhando a mãe, foram andando para Alagoinhas, já que teve uma seca grande e todo mundo estava indo embora.
Um ano depois mudaram-se para Mata de São João, onde viveram uns dez anos. Cada vez mais próximos da Capital.
Em Mata de São João, trabalhou no campo e na plantação de cana- de -açúcar, na fazenda do Dr. Cícero Dantas, trabalhou de chamador de Boi. Hoje o lugar é conhecido como Colônia JK.
Depois foi carreiro, conduzindo um carro puxado por bois. Até este momento acompanhou os pais. Nessa época começou a sentir a necessidade de exercitar o corpo mas não sabia que esporte seguir, porque ainda não conhecia a capoeira. Pensou em ir para o exército porque sabia que ali era obrigatório o treinamento físico. Mas os pais não gostavam; diziam que soldado devia amaldiçoar pai e mãe.
Na fazenda de São Pedro, encontrou com mestre Juvenço, que trabalhava de ferreiro e era capoeirista, era amigo de Besouro. Ele contou para o jovem João muitos casos de Besouro, até da morte dele. Foi ele também quem lhe mostrou a Capoeira.
Quando ele completou 25 anos, a família de João decidiu que ele já poderia cuidar da própria vida. Foi quando veio para Salvador, em janeiro de 1943. Morou em vários lugares e tentou vários trabalhos. Mas foi no de servente de pedreiro que ele ficou por mais tempo. Chegou a ser mestre de obras.
“Quando eu era garotinho meu pai me chamava de Doutor aí eu dizia,
meu pai me apelidou de doutor mas não me botou para estudar, por isso
não fui doutor, mas na Capoeira eu sou doutor”.
Através de Cândido, colega de trabalho chegou a uma roda de capoeira. O compadre de Cândido, Barbosa, foi quem lhe ensinou os primeiros movimentos da capoeira. Em grupo de amigos, iam para a roda de cobrinha Verde no Chame-Chame, bairro de Salvador. Mas foi numa roda de capoeira numa festa de largo que conheceu Mestre Pastinha. O Pastinha falou: “eu quero organizar isto e para isso eu vim aqui . Quem quiser apareça lá no Bigode”.
E ali foram com a turma. João se registrou. Era uma sociedade: O Centro Esportivo de Capoeira Angola, que Pastinha tinha recebido das mãos de Amorzinho (guarda civil).
O Centro Esportivo de Capoeira Angola foi a primeira Academia de Capoeira Angola fundada em Salvador.
João se registrou em 1945, e não deixou mais o Mestre Pastinha.
“Tudo de capoeira eu aprendi com Mestre Pastinha”.